

Para o cineasta iraniano Saeed Roustaee, o hijab é o preço a pagar para filmar no Irã
O cineasta iraniano Saeed Roustaee, em competição em Cannes com um novo drama social, "Woman and Child", conta que o preço a pagar para poder continuar exibindo seus filmes foi seguir as diretrizes oficiais e mostrar as protagonistas de seu filme com o hijab, o véu muçulmano.
"O pior para mim é não fazer cinema", declarou à AFP o diretor, que retorna a Cannes três anos depois de "Os Irmãos de Leila", pelo qual foi condenado a seis meses de prisão no Irã e cinco anos de proibição de exercer sua profissão.
Nenhuma das penas foi, por fim, aplicada.
"Quando vi 'Os Irmãos de Leila' aqui em Cannes, foi a única vez que vi esse filme na tela grande e com público. Não o vi novamente, não pude vê-lo com o povo do meu país", conta o cineasta de 35 anos.
"É muito importante para mim que as pessoas do meu país vejam meus filmes", porque "acho que o cinema iraniano está um pouco sequestrado por comédias vulgares", continua Roustaee.
"Woman and Child", apresentado nesta quinta-feira (22), segue o destino de Mahnaz, uma mãe de 40 anos com dois filhos que tenta refazer sua vida.
O filho mais velho é turbulento, o que acabará arrastando a família para a tragédia.
- Filmar ou exilar-se -
Enquanto os dramas sociais são os filmes mais bem sucedidos nos festivais internacionais, eles raramente podem ser vistos no Irã, onde as comédias enchem as salas.
Assim, "A Semente do Fruto Sagrago", por exemplo, que ganhou o Prêmio Especial do Júri em Cannes no ano passado, nunca foi exibido no Irã.
Seu diretor, Mohammad Rasoulof - condenado em seu país a oito anos de prisão -, escolheu o exílio, assim como três das atrizes principais.
As autorizações para gravar "Woman and Child" demoraram "mais de seis meses", e puderam ser obtidas em parte graças a uma mudança de governo.
"Se você faz esse tipo de filme, com cenas em um hospital, em grandes instituições como uma escola, como fazer sem permissões, com a equipe técnica que é necessária, com muitos figurantes? No primeiro ou segundo dia, teriam parado a filmagem", justificou.
"Acho que minha utilidade está em retratar essas histórias dentro do Irã e poder mostrá-las nas salas de cinema", acrescenta.
"Há pessoas que decidem não trabalhar, e também são muito úteis na sua forma de lutar. Mas essa não é a maneira pela qual eu posso fazer isso", defendeu-se o cineasta, criticado por vários compatriotas por ter se comprometido com o regime.
"Quando você obtém uma permissão [de filmagem] e mostra mulheres na tela, em suas casas, usando o hijab, pouco me importa a mensagem que você acredita estar transmitindo", lamenta Mahshid Zamani, membro da Associação de Cineastas Independentes Iranianos, que reúne 300 profissionais do cinema no exílio.
"É um direito fundamental das mulheres vestir o que quiserem", acrescenta Zamani, que considera que Saeed Roustaee "está seguindo o jogo do governo".
O movimento "Mulher, Vida, Liberdade" estourou em setembro de 2022 após a morte de Mahsa Amini, sob custódia da polícia, após ser presa por uma suposta violação do código de vestimenta islâmico.
- Tempo para aprender -
"Evidentemente, estou contra o véu obrigatório, mas somos obrigados a usá-lo se quisermos fazer filmes no Irã, se quisermos que sejam exibidos nas salas de cinema", aponta Roustaee.
"Acho que esse movimento vai ter sucesso, mas é necessário tempo: pouco a pouco, o véu obrigatório acabará como outras proibições do passado", acredita.
Mas "enquanto isso, devo fazer meus filmes" e "eu também preciso de tempo, como cineasta jovem, para aprender talvez a fazer filmes de outra maneira".
O diretor iraniano Jafar Panahi, em competição com "Um Simples Acidente", uma nova narrativa contra o regime filmada clandestinamente, opinou que não existe uma "receita absoluta" para ser cineasta no Irã.
"Cada um encontra seu caminho" e "não tenho conselhos para dar", disse, antes de acrescentar: "apesar de tudo, encontrei soluções".
U.Schmid--BP